O sentido da condenação e morte de Jesus


O projeto de Jesus se completa na sua morte, sinal de amor até o fim. Mesmo diante da dor extrema, Jesus não se desvia do desígnio do Reino de Deus. Ele assume a cruz com liberdade e revela seu amor incondicional por nós. Pelo seu sangue é selada a nova aliança e são desmascaradas as artimanhas da mentira e do poder opressor que se opõe ao Reino de Deus. A cruz, que significava destruição, torna-se reconstrução da condição humana.

Para compreender o tema em sua amplitude, “condenação e morte de Jesus”, é preciso ter, diante dos olhos, alguns aspectos que por ora se podem denominar introdutórios, os quais, nesta reflexão, não têm o sentido de ser preliminares, mas, antes, exigência para a compreensão mais abrangente das razões da “condenação e morte de Jesus”.

Jesus é o dom gratuito do Pai

Sendo de condição divina, Jesus Cristo fez-se totalmente humano, esvaziou-se da condição divina para viver conosco (Fl 2,6-8). Deus revela-se como Deus muito humano. Nada do que é humano é indiferente a Deus. A grande Revelação de Deus é a humanidade. A humanidade de Jesus marca definitivamente a abertura e o acesso à vida de Deus. Agora, o encontro com Deus se dá não necessariamente no Templo, mas em Jesus Cristo. “Ninguém vai ao Pai senão por mim”, diz Jesus (Jo 14,6). Deus se faz carne e vem habitar entre nós. Jesus Cristo se faz humano e servidor, manifestação da graça de Deus. O Pai vem ao encontro da humanidade pelo seu Filho e convoca todos para o seguimento de seu Filho, Jesus Cristo, a partir do anúncio e concretização do Reino de Deus. Por meio de sua pessoa e seu testemunho, Jesus é a irrupção do Reino de Deus em palavras e ações, nas dimensões do dom e tarefa, na perspectiva do “já” e “ainda-não”. O presente inaugura a plenitude de salvação futura, e o futuro penetra e esclarece o presente como tempo de decisão para alcançá-lo por meio da libertação dos males que oprimem os seres humanos.

Jesus vem em nome do Pai para fazer a vontade do Pai

Em Jesus Cristo se dá a irrupção do Reino de Deus. É o divino que invade a história. Jesus não prega a si mesmo, mas algo distinto de si mesmo, o Reino de Deus. Jesus foi fiel servidor do Reino. Ele é “servo de Deus”. Toda a sua vida deve ser compreendida à luz do Reino e este, por sua vez, só pode ser compreendido à luz da entrega total de Jesus. Em Jesus, portanto, revela-se um Deus descentralizado. Ou seja, tem-se a manifestação de um Deus que vive para fora, isto é, totalmente para o outro. Jesus apresenta-se como radicalmente livre das leis opressoras da época e aponta para o caminho da liberdade, tendo o Reino de Deus como o centro de sua pregação e de sua vida. “O tema do ‘Reino de Deus’ penetra toda a pregação de Jesus. Só podemos compreendê-lo a partir da totalidade da sua pregação” (RATZINGER, 2007, p. 70). É o ponto-chave de compreensão de toda a vida do Filho, dando sentido à missão histórica de Jesus e concretizando-a. Ele assume, na força e presença do Espírito Santo, a radicalidade da pregação do Reino de Deus, pois ele não veio pregar a si mesmo, mas o Reino de Deus, sendo-lhe dadas pelo Espírito Santo energia e autoridade na pregação. No entanto, a sua autoridade não está de acordo com os moldes das autoridades humanas, pois gera conflitos não somente com seus inimigos e adversários, mas também com seus conterrâneos. É autoridade que vem à tona por conta própria, ou seja, impõe-se por si própria. Impõe-se pela verdade. Se a presença do Espírito Santo faz Jesus ser fiel ao Reino de Deus, então, para conhecer Jesus, é preciso fazer a experiência que ele faz do Espírito Santo, pois nele o Espírito Santo desceu, permaneceu, habitou, repousou em plenitude e encontrou-se à vontade como se estivesse em sua própria casa.

Jesus foi fiel à sua opção pelo Reino até o fim

Em Jesus Cristo, Deus se revela plenamente. Assim, não se pode compreender Jesus sem a perspectiva do Reino de Deus, nem o Reino de Deus sem Jesus Cristo. O Reino de Deus revela não só a pessoa de Jesus, que é a personificação do Reino, mas revela também em Jesus a face de Deus. O Deus de Jesus Cristo é o Deus do Reino. O projeto de vida de Jesus é o anúncio do Reino, dom de Deus que vem ao nosso encontro, porque somos pecadores e imperfeitos. “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mt 1,15). Jesus resgata a linha mestra dos profetas e estabelece o núcleo em torno da justiça e da vida. “O Espírito Santo está sobre mim, porque ele me consagrou com unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

Jesus atua como servo (Fl 2,7). Ele testemunha e proclama com fidelidade o Reino. Mostra-o presente por meio de sinais, prodígios e milagres, que não revelam um Jesus “milagreiro”. Eles são sinais concretos que revelam a chegada do Reino de Deus. Evangeliza os pobres e se faz pobre com eles. Jesus quer garantir a vida aos que são incapazes de garanti-la por si mesmos e põem toda a força em Deus. Assim, o Reino de Deus é dos pobres não por privilégio, mas porque é o modo próprio de “ser de Deus”. Toda ação de Jesus é a promoção da solidariedade entre os homens e mulheres, denunciando as estruturas de morte e anunciando a vida que está nele. Jesus anuncia a prática do amor como dimensão protagonizante do Reino de Deus. O serviço de Jesus ao Reino se dá no amor que leva à vida e à comunhão de tudo e de todos em Deus. Sendo assim, por meio de seu sangue, assumido e derramado com liberdade na cruz, Jesus selou a definitiva aliança de amor.

O Filho do homem veio para dar a sua vida em resgate de muitos

Jesus não morrera, mas fora morto, tornando-se, assim, mártir, isto é, testemunha fiel da sua missão como resposta ao desejo de Deus. Jesus dá sua vida, gasta sua vida pelo Reino de Deus, porque é o Filho amado, o Predileto, o Eleito, o Primogênito, o Unigênito, o Enviado, o Administrador plenipotenciário do Pai. Tudo foi entregue às mãos do Filho pelo Pai. O Pai entrega ao Filho a missão do Reino. O Pai confia plenamente no Filho. Tem fé no Filho. Nele o Pai tem todo o seu benquerer. Assim, se o Pai tem fé no Filho, então a fé filial advém da fé paternal. O Filho torna-se companheiro, filho, adulto, amigo. O Filho adere à fé do Pai. Ele aprende a obediência por meio de seus sofrimentos, obediência esta não disciplinar, mas profética. O Pai dá ao Filho a grandeza de revelar o seu amor por toda a humanidade. Então, diz Jesus: “Quem vê o Filho, vê o Pai. Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho der a conhecer” (Jo 14,1-6). O Filho é o revelador do Pai e o Pai é o revelador do Filho. “Meu Pai é vosso Pai e meu Deus é vosso Deus.” Assim, o caminho para o encontro com Deus é seu Filho, isto é, sua condição humana. Já não é preciso, por conseguinte, sair da condição humana para encontrar Deus. Para conhecer Deus, precisa-se conhecer o Filho. Portanto, se Deus se revela no Filho, então Deus, em Jesus Cristo, primeiro se revela como irmão e somente depois se revela como Pai. O encontro com o Pai se dá, pois, no Filho.


Por Paulo César Nodari
Vida Pastoral

O Cântico de Maria
O Cântico de Maria

A partir de um chamado forte ao meu coração de deixar-me ser mais envolvido aos cuidados de Deus, como que respondendo um novo sim ao Projeto do Reino surgiu então O Cântico de Maria.

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